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Com o escritor Ignacio Loyola Brandão

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Reunião na Biblioteca

terça-feira, 4 de novembro de 2014

DIAS DE FÚRIA


Plínio Montagner

                Estamos sofrendo muito por causa de medos. E nem estamos computando os medos imaginários, como o poeta argentino Jorge Luis Borges cantou em versos no clássico poema Instantes.
                Doenças, nem é bom falar. Estamos num clima de pavor generalizado, como criança que tem medo de escuro. Do nada aparece um revólver na nossa cara. Nossa felicidade anda muito fragmentada. Muita informação dá nisso. Muita liberdade dá nisso. Muita impunidade dá nisso.
Cadê aquela vida calma, de papo lento, do namoro de um parceiro só? Onde está a visita do compadre e da comadre?
 O perigo está até em nossa mesa. Não podemos comer mais nada que é gostoso. Tudo que é bom não pode: feijoada, linguiça, carne de porco, costela, pudins e manjares. Tudo que vamos comer nosso anjinho da guarda dá uma espiada: Pode, não pode, pode, não pode.
À mesa acabou a farra. Estamos liberados para comer só o que é verde, amarelo, vermelho. Ara! Chega! Carne? Ah! Só se for sem gordura, e de frango.  Peixe? Assado. Café? Descafeinado, e sem açúcar.
Beber é a mesma coisa. Só água. Água? Tem de ser mineral, ou água bem tratada.
Em momentos de fúria as pessoas são um perigo. Nossas válvulas de escape não dão conta, nem as religiões, nem os pais, porque não ficam em casa. Nem nome feio não se fala mais para extravasar. Existem pessoas que não falam nem sob tortura. Nos estádios pode, e quem não sabe, aprende.  Um palavrão na hora certa faz um bem danado. Tem dia que tudo dá errado desde a hora que a gente sai da cama.
Michael Douglas, no filme “Um dia de Fúria”, retrata a vida de um cidadão americano pacato, trabalhador e estressado. E não é para menos: A esposa o abandonou, a filha namora um desajustado, a casa está hipotecada e ele não suporta o chefe.
Um dia, o trânsito emperra. Ele não aguenta. Pega sua maleta e desaparece, deixando seu carro no meio da rua com a porta aberta.
Até o mais calmo cidadão tem seu dia de fúria. Não existe idade nem sexo nem profissão nem hora para explodirem episódios de insanidade.
Eu estudava numa escola rural em Santa Veridiana. Tinha 7 anos. Primeira série. A professora, Dona Antônia, era um doce, paciente demais. Uma santa.
A escola da roça era assim. Uma professora só para três séries: 3ª, 2ª e 1ª. E para piorar, a primeira série era subdividida em três seções: A, B e C.
Os alunos da seção “A” eram os mais adiantados; os da seção “B” eram mais ou menos, e os da seção “C” iriam repetir o ano.
Um dia, depois do intervalo, não parávamos de gritar. Uma folia danada. Silêncio zero. A professora implorava para ficaremos quietos.  Nada. De repente, lápis, canetas, compassos, réguas, caixa de giz voaram sobre nossas cabeças. Um objeto passou pela janela.
Ficamos quietinhos, quietinhos. Dava para ouvir o vento nas folhagens da mangueira e a respiração da criançada.
Nossa querida professora baixou sua cabeça sobre seus braços.
Ah! Como gostávamos dela! Aluno da roça não tem maldade. Brinca por brincar. Zoa por zoar.  
Um aluninho que sentava atrás de mim, sempre de paletozinho marrom, levantou-se. E lenta e timidamente foi até à mesa da professora e disse alguma coisa ao seu ouvido. Era um pedido de desculpas. Dona Atonia levantou o rosto e, com lágrimas rolando, abraçou o menino. Os dois ficaram assim um tempo parados, em completo silêncio.
Treze anos depois, em Tupi Paulista, numa cidadezinha da Alta Paulista, tive também meu dia de fúria numa sala de aula da roça, numa classe do segundo ano de um grupo escolar.
 Ninguém me abraçou, mas no dia seguinte apareceu sobre minha mesa uma enorme abóbora.
Meu coração foi a mil!

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