As reuniões do Grupo Oficina Literária de Piracicaba são realizadas sempre na primeira quarta-feira do mês, na Biblioteca Municipal das 19h30 às 21h30

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Com o escritor Ignacio Loyola Brandão

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Reunião na Biblioteca

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Minha mãe e eu

Marisa Bueloni

Minha mãe e eu temos um montão de histórias. Já são 19 anos da sua partida e parece que foi ontem!...

Fomos uma bela dupla - minha mãe e eu. Ela se chamava Josefina e eu a provocava, querendo saber por que minha avó lhe dera este nome. Ela ria e ficava brava ao mesmo tempo. “Eu gosto do meu nome, oras”. Eu respondia rindo: “Mas eu não, dona Josefina!”.

Ela contava que no grupo escolar era vítima da brincadeira “Josefina da perna fina”. Mas minha mãe tinha pernas normais, bonitas, nem finas, nem grossas. E só Deus sabe o que aquela mulher andou e trabalhou, o bem que ela praticou, as procissões a pé, as rezas, as visitas a parentes e doentes, os caminhos santos e belos que minha mãe percorreu neste mundo.

Ah, mãe querida! Se saudade matasse!... Lembro de uma valsinha que minhas irmãs mais velhas punham para tocar numa vitrolinha portátil. Dançavam a música que dizia:

Ela é a dona de tudo

Ela é a rainha do lar

Ela vale mais para mim

Que o céu, que a terra, que o mar

Ela é a palavra mais linda

Que um dia o poeta escreveu

Ela é o tesouro que o pobre

Das mãos do Senhor recebeu


Mamãe, mamãe, mamãe

Tu és a razão dos meus dias

Tu és feita de amor e esperança

Ai, ai, ai, mamãe, eu cresci

E o caminho perdi, volto a ti

E me sinto criança

 
Mamãe, mamãe, mamãe

Eu te lembro o chinelo na mão

O avental todo sujo de ovo

Se eu pudesse, eu queria outra vez, mamãe,

começar tudo, tudo de novo!...


Se eu pudesse começar tudo, tudo de novo!... Se pudesse ter a chance de voltar a ser criança no seu colo tão doce. Que saudades do seu perfume suave, uma colônia que impregnava seu armário, suas roupas. Lembro-me do seu potinho de “rouge”, que hoje é o nosso “blush”. Ela gostava de um batom discretíssimo e, nos últimos anos, usava um esmalte de um tom rosa esmaecido, chamado “Rosa Rei”.

Minha mãe completou apenas o 4º ano primário, mas saiu da escola com um diploma preciosíssimo: a sabedoria da vida. Ninguém foi mais sábio e mais prudente do que minha mãe. Ela e “Dona Vida” eram assim, ó. Não dava um passo em falso. Conhecia todos os territórios, os próprios e os alheios.

Ah, como eu gostava de brincar com ela, de atormentá-la, de mexer com dona Josefina o tempo todo! Na minha viagem de lua-de-mel, meu lindo e eu estávamos em Florianópolis, hospedados num andar bem alto do hotel. Resolvi mandar um postal para ela, com os seguintes dizeres: “Querida mamãe. A viagem foi boa e aqui é lindo. Só que meu marido quer fazer umas coisas e não sei se está certo. Deixo ou não? Já pensei em me atirar do 12º andar... Ah, ah, ah... Beijos da filha que a ama muito.”

Fala sério, gente. É postal que se mande para a mãe?

Bom, ela o recebeu e consta que adorou, se matou de rir. E eu, lá em Floripa, eufórica com o que a turma dos Correios ia pensar. Se é que algum carteiro atento se deu ao trabalho de ler. Sempre na minha de provocar, de transgredir. Aos 20 e pouco, ninguém tem muito juízo mesmo, né? Época mais linda da vida! Ô saudade matadeira!

Enfim, minha mãe e eu tínhamos nossos segredinhos. E ela era bem rígida. Mas com um coração do tamanho da Amazônia. Seus olhos brilhavam quando eu a convidava para uma volta de carro ao centro da cidade. “Espera aí que vou me arrumar um pouco”. E surgia com seu vestido florido, perfumada e risonha. “Vamos?”. Sim, vamos, mãe, que a vida passa rápido demais.

E quando ela começava a contar do seu tempo de moça na roça, morando no sítio? Ficávamos horas ouvindo na cozinha, com um bule de café e bolo de fubá quentinho. E como foi que ela conheceu meu pai, o noivado, o começo da vida de casados, os filhos pequenos. Ah, meu Senhor da glória, eu coloquei a foto clássica do casamento dos meus pais, em preto e branco, num quadro de chorar de lindo, na parede acima da cristaleira. Fiz o mesmo com a foto do casamento dos meus sogros. Estão os dois pares ali, eternizados, cheios de esperança e alegria! Afinal, haviam acabado de dar o “sim” um para o outro. E para Deus.

Mãe adorada, quantos “sim” a vida tem nos pedido!... E os “não”, mãe? Os “foras” que a gente vai levando pela vida afora? Sua doce presença já não está entre nós para nos consolar. Lembro de quando reclamávamos de tudo, minhas quatro irmãs e eu, porque precisávamos de mais roupa, mais sapato, mais isso e mais aquilo, e ela dizia: “Tenham paciência. Agradeçam por tudo. Olhem para quem não tem nada”. E ia cada uma prum canto meditar...

Minha mãe gostava de rezar. De rezar o terço de joelhos, junto com meu pai, os dois de cabeça baixa, cheios de respeito, diante das imagens do Imaculado Coração de Maria e do Sagrado Coração de Jesus. Minha única irmã solteira, Rosa Maria, ainda tem os dois quadros, mandou colocar moldura nova e dourada e ficou um sonho de lindo!

Mãezinha santa e gloriosa! Até hoje me lembro de um susto colossal! Foi logo depois do enterro dela. Voltávamos do cemitério todos abatidos, naquela tristeza dolorosa. À noite, ao me deitar, vieram-me uns pensamentos. “Mamãe, para onde a senhora foi?”. Naquele estado de vigília, meio dormindo, meio acordada, de repente, subi. Subi altíssimo. Vi-me numa altura fantástica e olhava para baixo. Tudo estava escuro, um verde-escuro estranho. Eu via o rio da minha cidade, o mato das margens, carros passando lá embaixo nas ruas. Foi assustador. Eu não tinha corpo, mas eu “existia” com minha mente apenas, meu espírito. A lembrança daquela subida (seria a chamada “viagem astral”?) ainda mexe comigo.

Josefina, minha mãe! Eternamente, Josefina! Mulher, moça, menina. Minha mãe, tão grande e tão pequenina! A bênção, minha mãe, Josefina.

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