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Com o escritor Ignacio Loyola Brandão

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Reunião na Biblioteca

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Plásticas ou o Fim dos Idosos

PLÁSTICAS OU O FIM DOS IDOSOS
Inácio de Loyola Brandão

Quando ela chegou, não a reconheci. A mulher que há décadas é minha amiga e tem hoje 60 anos tinha desaparecido.
Em seu lugar havia um arremedo de uma jovem. Um rosto no qual fizeram tudo para que parecesse jovem, tirando bolsas sob os olhos, esticando a pele, dando um retoque no nariz, arredondando o queixo, colocando silicone nas bochechas, engrossando ligeiramente os lábios. Ou ela pediu ligeiramente, o médico teve mão pesada, ou não entendeu.
O que eu via era um rosto falso, maquiagem malfeita. Como essas máscaras em que há a caricatura dos rostos de famosos. Senti a incômoda sensação de estarmos em dublagem malsincronizadas, em que há um descompasso entre a voz e o movimento dos lábios.
-O que foi?
-Desculpe, não te reconheci.
-Ficou boa assim a cirurgia? Porque sabe que fiz, não sabe?
-Sei.
-Ficou boa?
-É outra mulher.
-É o que eu queria.
Não soube em que sentido ela disse isso. Outra mais jovem, outra mulher por dentro, diferente daquela com quem convivi como amiga por 45 anos? Que outra? Quem era aquela mulher que parou à minha frente? Não restava nela nenhum traço de minha amiga de tantos anos.
-Você está contente? Feliz?
-Estou achando que você não gostou de mim assim!
-O que importa não sou eu. É você. Gostou?
-Confesso que ao me olhar no espelho, às vezes, me pergunto quem é a mulher refletida. Meu médico disse que é apenas um periodo de adaptação. Fiquei mais nova,sinto que sou nova e, ao mesmo tempo, fico confusa. Sou nova com a mesma cabeça que eu tinha quando era mulher de idade?
-Deve ser uma das muitas perguntas que você a se fazer.
-Se sou nova, preciso me comportar como gente nova.
-Gente nova de hoje ou gente nova de quando éramos novos?
-Gente nova de hoje. Porque gente nova do nosso tempo era diferente em tudo.
-Acho que você procura a mulher que foi.
-Mas se me comporto como a jovem que fui, não serei a jovem atual. Será que tem um curso para adaptação de idade?
Há tantos cursos hoje.
Eu estava aturdido. Porque minha amiga é apenas mais uma daquelas pessoas que anseiam pela juventude nas academias, nos cosméticos e agora na cirurgia. Uma ansiedade que não sabemos onde vai chegar. No que as pessoas estão se transformando? Como deve ser a foto da carteira de identidade? Dentro de algumas décadas, as plásticas terão demolido toda a noção de idade, todos os rostos dissolvidos no tempo. Todos terão de usar crachás, para que reconheçamos. É isso o que desejamos? Cancelar totalmente a idade? Ao chegar aos 40, queremos voltar aos 20. Mas, quando estivermos com 40, nessa nova fase, na realidade teremos 60. Nova plástica para descermos aos 30, ou seja, à metade. De etapa em etapa, até sermos crianças de novo? Vivemos a época do infantilismo? Sinto-me perdido, voltando aos 30, mas tendo na realidade 60, vivendo mais 20 e me plastificando, terei 80. Todavia, onde ficaram meu rosto e meu corpo real? A humanidade idosa tende a desaparecer?
Espantado, nem ouvia minha amiga explicar que está em busca de um jovem namorado, com quem possa sair,dançar, ir ao cinema, transar. Sim, mas aos 60 -ou seja, com 30-, ela tem energia para uma balada das boas? Suporta uma rave que atravessa a noite e termina ao meio-dia? Malhando durante o dia e na balada à noite, onde encontra forças?De repente, pensei: que atitude mais careta? Sou careta? Dinossauro, fora do meu tempo. Pensar em caretice já é caretice. Deve ter outra palavra com o mesmo significado no vocabulário jovem. Não sei e isso me atemoriza.
Por que me atemoriza? Não mudei, não sou jovem, não vou a nenhuma balada, não malho durante o dia, não fiz plástica, aliás, nenhuma correção no rosto. Até já pensei em tirar alguma coisa, esticar embaixo do queixo, mas quando me olho, vejo as marcas de minha vida. A cicatriz pequena na cabeça foi aquele momento 14 anos atrás, quase morri, enfrentei um aneurisma cerebral e passei. Deixei a marca, é a prova de que viver é bom. Mesmo com esta idade que tenho. Todavia, minha atitude não demontra um ideal anacrônico, obsoleto? Por que não fazer um lifting, dar uma esticada, consertar o nariz? Por que não quero ter 40 anos? O que aconteceu aos 40 que foi ruim, para que eu evite esta idade? Confesso que eu me sentiria perdido, num labirinto, distante de mim mesmo, da mesmice diária, ainda que esta mesmice seja apenas o rosto, o corpo que desgata.
Estou perdendo amigos e conhecidos, porque não mais os reconheço em suas casas, nas ruas, restaurantes, bares, sorveterias, praias. Não só removeram os sinais do tempo, como permitiram que deformassem suas linhas, seus traços, subtraíssem suas rugas, cancelassem a linha da boca que precisará ser preenchida por botox de tempos em tempos.
Alguns parecem monstros. Acho que vou ficar isolado nesta obstinação de querer continuar a ser eu. Eu que, como a maioria das pessoas, nem sei quem sou. E procurar saber é o meu ideal de vida, de escritor. Descobrir um sentido para mim e para a vida.
-Ficou mudo, de repente, disse minha amiga.
-Penso em um problema! Não vale a pena!
-Não pense em problemas! Não vale a pena!
E ela se foi. Atravessei a rua, entrei na padaria. Minha sobrinha Letícia, de 20 anos, saiu com um sanduíche na mão,
acompanhada de uma amiga da PUC.
-Tio, conhece a Du? Olhe como ela ficou bem. Nem se percebe o rosto, não é? Esse medico é legal!
Du tem 22 anos.

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