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Com o escritor Ignacio Loyola Brandão

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Reunião na Biblioteca

quinta-feira, 13 de maio de 2010

À Procura de um Momento Mágico


À PROCURA DE UM MOMENTO MÁGICO
Dulce Ana da Silva Fernandez

Pendurada no cabide de madeira há quinze anos. Bem guardada, uma bela blusa. Carinho todo especial!
A palavra é esta mesma “guardada”, uma vez que não me aconselhavam a usá-la.
A minha filha, quando eu falava em colocá-la, logo me fazia desistir da ideia, dizia que era muito vistosa. Enfeites dourados! E a ocasião! Não requeria tantas luzes...
Sempre que arrumava os vestidos nos cabides do guarda-roupa, dava uma doce olhada para ela que, intacta e com aquele brilho cintilante, me fitava. Maravilhoso olhar de festa! Esperava, esperava o momento certo de usá-la, que, pelos acontecimentos, parecia nunca chegar.
A famosa blusa preta era de paetês brilhantes, com belo desenho dourado e florido na frente. A manga japonesa e o decote em “V”. Eu tinha uma saia preta meio longa, que, junto com ela, formava atraente e charmoso conjunto.
E, como será que a blusa havia chegado ao guarda-roupa? Tudo tinha acontecido em 1989, quando fui passear na Espanha. Numa das compras, na galeria Preciados, no final da viagem, queria levar com os famosos leques espanhóis, uma peça de roupa bem diferente das do Brasil. Logo que cheguei à galeria, a encontrei. Bati os olhos nela, gostei. Foi amor à primeira vista. Sem ligar para o preço, um pouco puxado, comprei-a.
Surgiram novas ocasiões de usá-la e as insistentes recomendações: “Todo mundo vai ficar olhando. Vão tecer comentários maldosos: Uma velha assanhada que trajava uma blusa cintilante!!!, vistosa!!! “Se eu fosse a senhora, ainda, não a usaria”.
Bem, eu encontrava-me um pouco idosa, mas tão jovem de espírito... Por que as mães têm que ter tanta paciência?
Os dias corriam do calendário, meses, anos e eu pensava tristonha: “Será que nunca irei usar aquela blusa? Acho que nem mesmo depois de morta”...
De vez em quando a experimentava e pensava na escolha dos complementos: A saia preta ou seria conveniente a bege? Sapatos pretos fechados, de salto, ficariam mais elegantes; brincos escuros e discretos, combinando com a blusa, mas sem o colar. E o cabelo? Pintado e cortado uns dias antes, penteado para trás, mostrando parte das orelhas. Pensava também na maquilagem que deveria ser discreta.

Ensaiava por diversas vezes, como se fosse uma peça de teatro. Pois a imagem que os outros têm da gente, nem sempre confere com o que enxergamos...
E, assim... Continuava guardada, quase não se falava mais nela.
E tem mais, há quanto tempo a coitada esperava lá no cabide do guarda-roupa por uma chance. Um aplauso! Tomar um banho de festa! Extravasar seu brilho...
E, nada! Ela fora do esconderijo era tudo que eu desejava.
O que fora uma teteia lá na Espanha, tornara-se um pesadelo aqui no Brasil. Acho que a blusa não ia servir nem para ser usada no carnaval. Será que o rei Momo também acharia que não era naquele momento uma boa ideia?
O tempo foi passando, até que chegou a data do lançamento do meu primeiro livro cujos textos iam contar histórias dos familiares... Oba! ótima ocasião para usá-la.
Preparativos para o evento! Entusiasmada! Aproximei-me dela. Olhei os brilhantes paetês. Passei a mão, senti a leveza do tecido e recordei novamente da voz da vendedora atrás de mim: “Se te gusta corre-la ya. És la derradera. El precio es bueno”.
Naquele instante da compra, pensara que a blusa teria uma boa finalidade, seria mais inteligente, portanto, levá-la. Ela iria à festa comigo... Experimentara, caíra como uma luva. Que linda!... Bom o resultado da escolha, eu estava em alto astral!
O devaneio fora- se embora...
Cuidadosamente, coloquei a blusa com todo carinho sobre a cama e, novamente, chegaram os comentários: “Esta não é uma boa! Sabe, a cidade é pequena e o lançamento do livro é um importante acontecimento. As fotos da senhora, com certeza, vão sair nos jornais. A roupa tem de ser discreta. Use aquele conjunto cinza de linho”...
A blusa tão tristonha voltou para o antigo esconderijo, talvez somente sairia com uma ordem oficial. Meu Deus do céu! Outra vez sendo guardada! Mas que confusão! Ingenuamente, comprara-a encantada com seu brilho e leveza! Será que ela possuía um encanto especial e não poderia ser vista por ninguém?
A coitada continuava escondida. Se ela tivesse lágrimas, não teria mais nenhuma para chorar. Se tivesse pernas, estaria cansada de espernear...
Assim, se passaram 14 anos, quando resolvemos ir à Argentina.

Nada falei aos familiares. Decidida, abri a porta do guarda-roupa “Psiu! você vai passear” sibilei instintivamente para a blusa que me olhou com aqueles luminosos olhos festivos. Era como se dissesse:
- Repita comigo: Eu sou bela, você não é uma pessoa desequilibrada, foi muito feliz na escolha. Sabia que você não se esqueceria de mim na hora de arrumar a mala.
Será que no meu coração canta um rouxinol de asas e bico dourados? Quem sabe? Gosto de ramos cintilantes e quentinhos do sol, tenho que ter algo brilhante, aproveito até papéis festivos de embrulhos...
À vontade de usá-la foi crescendo dentro de mim. Resolvi não pensar muito. Para que esquentar a cabeça? Coloquei a blusa bem acondicionada com um carinho todo especial no fundo da mala. Resolvera usá-la e fim de papo... Chegara a hora de superar inseguranças. Levaria tudo na esportiva. Corajosa! Sem ficar refém de preocupações.
Ela havia me visto pela primeira vez com 54 anos, quando a comprara na Espanha e, na ocasião da viagem, eu estava com 68 anos. Um pouco idosa! Mas usaria a blusa cintilante de qualquer jeito.
Viajei satisfeita! Acertara em cheio tê-la levado-a à Argentina.
Numa noite especial, fui assistir a um espetáculo de tango. Entusiasmada! Usei-a. Eu já imaginava que a sensação seria deliciosa. Estávamos quatro pessoas: meu esposo, eu, a minha filha e o genro e, mal sentamos à mesa, chegou um senhor pronto para nos fotografar. Nessas alturas, eu já tinha tirado o casaco e a blusa toda radiante, agarrada a mim como uma tábua de salvação... Aquela noite, regada a delicioso vinho branco, me levou às alturas: Uma senhora vivendo intensa alegria... Me senti como Scarlett O Hara em E o Vento Levou...
Final do espetáculo. Nitidamente percebi minha condição de pobre e humilde criatura quando não consegui comprar a bela foto. Preço exorbitante! Tinha coisas mais urgentes para serem compradas. Cabeça tocando estrelas, mas os pés, no chão. O quê?! Que desaforo! Não aceitaram o pagamento em reais...


Calma lá! Não fiquei triste, pois no final da viagem, em um dos passeios, fui agraciada com uma bela foto numa cena de tango. Havia sido feita uma montagem, usaram somente as nossas cabeças e embora a blusa não tivesse saído, a foto era muito sensual, linda!!
Finalmente, com um prazer todo especial, havia usado aquele traje extravagante e me senti poderosa rainha, cheia de entusiasmo, com belos pensamentos... Guardei doces recordações e dentro da blusa, com certeza, ficaram restos de estrelas do inesquecível espetáculo de tango.
Paciência! Mais um ano, e ela enfeitando o guarda-roupa à espera de outra oportunidade? Nova viagem? Não. Pois, trajes enfeitados com paetês, entraram na moda. Tudo brilhante! Sendo assim, usei-a por diversas vezes... Acabara-se o encanto.
Hum! A única coisa que eu lamento é de não tê-la usado em outras ocasiões. Assim, a blusa tão querida, teria saído da mesmice do dia-a-dia... Confesso que tomei birra de roupa de paetês, tudo igual, tem de ficar guardada para momentos especiais ... ( como a fábula da raposa que não conseguia alcançar as uvas...)
Agora, penso eu, embora minhas ideias não estejam tão ousadas como antes, não devo dar mais tanto crédito às opiniões... Será?

Um comentário:

Ivana Negri disse...

Prezada Dulce

Muito lindo seu texto. Eu também tive uma blusa de paetés que nunca saiu do armário e ficou à espera do seu dia de glória, do seu momento mágico...

abrs
Ivana