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Reunião na Biblioteca

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Uma poeta à procura da Poesia

Uma poeta à procura da poesia
Marisa Bueloni


Nem o computador “aceita” que poeta seja substantivo feminino (como ocorreu no título, “uma poeta”). A frase recebe aquele risquinho verde sublinhando os termos. Ah, se eu fosse ligar para o gênero, o número, o grau e a sintaxe do computador! Não escrevia uma linha.
Não existe mulher poeta. Machismo aceitável? Vá lá. O termo “poeta” é substantivo masculino. Mulher é “poetisa” e acabou. Mas parece haver o mito de que, quando a mulher é muito boa na poesia, então ela tem permissão para ser chamada de poeta. Do contrário, continua poetisa. Adélia Prado, por exemplo, já virou poeta. Assim como Florbela Espanca. E tantas outras que chamamos simplesmente de “poetas”.
Sou alguém à procura de uma poesia que mate minha fome e aplaque minha sede. E permita-me, numa divertida molecagem, escrever “poeta” no campo dos formulários onde se pede o quesito “profissão”. Com toda humildade. Perdão, Drummond! E também porque registrar-se como “poeta” sempre desperta algum tipo de espanto, causa uma curiosidade agradável.

Uma vez, era noite, eu voltava da faculdade e uma moto bateu atrás do meu carro. O rapaz vinha em alta velocidade e a namorada, na garupa, foi atirada ao chão, batendo a cabeça. Prestei socorro e levei a moça ao hospital. E tive de fazer um Boletim de Ocorrência. O escrivão perguntou: “Profissão?”. Respondi: “Poeta”. Ele digitou lá. Quando terminamos tudo, chegou para mim, todo respeitoso, e disse: “É a primeira vez na minha vida que faço um B.O. de poeta”.

De qualquer forma, preciso de uma poesia que conte coisas, as que vão além dos boletins da vida. Que me despedace por dentro, porque preciso chorar. Uma poesia na medida exata de loucura e de lucidez. Quero narrar num poema que a xícara sem o pires é de uma solidão só. Que um vasinho de violetas foi visto caindo da janela sem peitoril. Ninguém entendeu ainda que certos elementos reclamam os seus pares, seu suporte e seu apoio.

Sabe aquela poesia que pergunta assim: onde estavas quando eu crescia sem parar? Ou ainda: como terminam seus dias as pessoas que não vemos mais? E também: o canário não liga se é abril; eu ligo. E formalizar num poema um gesto consolador: assim como fazer um sacrifício, carregar o esquecimento por ofício.
Quando é o tempo da poesia? Não sei... Nem sei mesmo quando é chegado o tempo exato das coisas. Ouço dizer: tal fruta tinha sua época, agora dá o ano inteiro. Quem sabe a gente plante um pé de quadras, para colher rimas três vezes por ano?
Lá fora, o mundo é dos que riem, certamente. E é preciso deixar de ser poeta da melancolia. Mas se chegar o tempo de ser triste, paro e peço um café, tomo um cálice de vinho, puxo dois dedos de prosa, me viro, compadre. Se vai doer, se será penoso demais, deixo para pensar depois. Depois que tiver passado este pesado tempo de ser triste...
Que situação sem saída, meu Deus, é um poeta à procura da poesia. Nem com todo o dinheiro do mundo. Nem sabendo como Noé construiu a arca daquele tamanho. Existirá o prodígio que celebra todas as coisas numa só? Onde pulsa a palavra que une os céus e a terra? Em que página habita uma estrofe de salvação? Quero vos dizer, caro leitor, que estou à procura disto e gostaria de vos dar de presente algo que valesse a pena neste mundo decaído.
Ah, eu queria vos entregar um texto fatal. De rasgar a alma e sangrar o amor. Um poema, súbito e dócil - ou aquele dificílimo de achar, escrito à foice. Venha esta poesia em chagas, venha o verso que é uma rosa orvalhada e, neste amálgama de dor e alegria, brote um lenço branco para acenar na plataforma da vida. Como eu queria estar lá.
Não sei se luto para escrevê-lo, até a morte, ou desisto. Escrevê-lo, no pressentimento da beleza a minha volta. No silêncio das folhagens paradas, um astro riscando o céu noturno, acendendo a antiga profecia. Quando? Quando o retrato da parede fala comigo; quando é meia-noite; quando julgo ter encontrado todas as respostas ou quando passo perfume?
Ah, que sublime é procurar pelo momento. A que horas, meu amor, é hora de escrever um poema?

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